Há 55 anos, um deslizamento de terra no litoral norte de São Paulo matou 450 pessoas. Hoje, as fortes chuvas que atingiram a região vitimaram, até o dia 25 de fevereiro, 57 pessoas. Na cidade de Petrópolis, no RJ, as enchentes provocaram 180 mortes em 2022; 34 anos antes, em 1988, foram 134 mortes. Ano após ano assistimos a tragédias como esta em várias cidades do país, em que dezenas, centenas de pessoas perdem a vida e milhares ficam desabrigadas, perdendo tudo o que duramente conquistaram. O passado se repete e ano após ano ouvimos que é preciso tirar as pessoas das áreas de risco, criar sistemas eficientes de alarme, oferecer moradias dignas, etc, etc. O aquecimento global traz chuvas cada vez mais fortes, todos sabem. As pessoas continuam em áreas de risco porque não têm para onde ir, todos sabem. Por que então nada realmente efetivo é feito para evitar esta situação?
O ser humano é vítima e ao mesmo tempo causador dessas tragédias anunciadas. O poder público, que deveria prover políticas adequadas, monitoramento, soluções de moradia, não o faz. São as escolhas que todos fazemos na vida, que mudam o mundo ao nosso redor. Escolhas individuais, que se somam a escolhas coletivas que, conectadas, constroem a evolução social, com base no conceito que eu chamo de Inteligência Social. Tragédias como essa são um claro exemplo de falta de Inteligência Social, de falta de um olhar consciente para a realidade que nos cerca e de ações que possam transformá-la.
O poder público, negligente, escolheu não olhar para a população periférica, a maior vítima da degradação ambiental. Poderia ser diferente? Com certeza sim. A cidade chinesa de Hong Kong, localizada entre o mar e os morros, sofria do mesmo mal, com chuvas fortes, desigualdade de renda, moradias inadequadas, além de ciclones tropicais. Apenas em 1972, avalanches de lama mataram 138 pessoas (reportagem do portal Um Só Planeta). A diferença é que lá a população colocou em prática a inteligência coletiva, em uma rede do bem, incluindo educação e treinamento da população, monitoramento de chuvas, avaliação frequente das encostas, definição de uma escala de riscos, criação de um serviço de avisos de emergência e, principalmente, contenção dos barrancos da cidade, com estruturas de drenagem, barreiras rígidas e flexíveis, estacas de aço, grades e técnicas variadas de escavação. Engenheiros, políticos, cientistas se uniram para colocar em prática a sua Inteligência Social. Resultado? Os deslizamentos tornaram-se raros. O último aconteceu em 2018 e não houve nenhuma vítima.
Para o filósofo Sócrates, “a negligência é a ruína da vida”. Acredito que certamente é. Quando somos negligentes em nossas ações e decisões, podemos contribuir para arruinar o bem-estar das pessoas, a autossustentabilidade do planeta e, por consequência, a nós mesmos.
Luciana C. Quintão
Fundadora do Projeto Inteligência Social e da ONG Banco de Alimentos