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Investir no ser humano é a melhor solução

Por Luciana C. Quintão, fundadora do Projeto Inteligência Social e da ONG Banco de Alimentos

Bom demais estar com Valdeci Ferreira, da APAC, Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, durante Encontro da Rede Folha de Empreendedores Sociais em São João Del Rei, em MG. Um momento especial de troca de nossas visões de mundo, a minha sobre o combate à fome e a dele sobre o sistema prisional, compartilhando livros, experiências e desafios. As APACS fazem um trabalho maravilhoso, tratando os aprisionados em sua essência de seres humanos e entregando a eles conhecimento e educação para que tenham condições de resgatar sua vida, com força, disciplina, com um ofício aprendido e laços afetivos restaurados. Para quem não conhece o trabalho, vale visitar o site da organização! https://fbac.org.br/

Foi enriquecedor conhecer o trabalho de perto e participar do Encontro promovido por Eliane Trindade, jornalista da Folha de S. Paulo que coordena o Prêmio Empreendedor Social. Uma experiência de contato próximo com seres humanos que na sua maioria foram jogados ao crime pelo fato de serem oriundos de uma comunidade cercada pela violência, de famílias muitas vezes desestruturadas e em condições de baixa escolaridade e de exclusão social.

São pessoas que, sem apoio afetivo, sem oportunidades de vida e segurança básica, inclusive segurança alimentar, muitas vezes se perdem no crime levadas pelo que eu chamo de várias fomes: fome de educação, moradia, saúde, justiça social. São muitas as fomes, no plano físico, emocional e social, que impedem que as pessoas vivam todo o seu potencial. Uma situação ruim tanto para essas pessoas que, em meio às dificuldades acabam mesmo sem querer praticando atos criminosos, quanto para as pessoas de bem, a sociedade em geral, que é vítima dessa violência. Os dois lados sofrem.

É triste constatar que a população carcerária atingiu um recorde histórico em 2022, com um total de 919.951 pessoas, sendo 867 mil homens e 49 mil mulheres, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Com o novo recorde, o Brasil se mantém em terceiro lugar no ranking dos países que mais prendem no mundo, perdendo apenas para a China e os Estados Unidos. Números que crescem também por conta da reincidência, que é em média de 80% no país. Nas APACs, apenas 13% dos condenados reincidem no crime, uma diferença incrível!

Há outros bons exemplos, como a centenária penitenciária feminina Sant’Ana, em São Paulo, na qual a ressocialização é conduzida com base no trabalho e na educação. Além do trabalho assalariado, as sentenciadas recebem remição de pena pelo ofício. Participam também de atividades educacionais como estudo formal e cursos de empreendedorismo.

Não seria muito melhor, contudo, que iniciativas assim não fossem tão necessárias neste nosso Brasil? Não seria mais inteligente se a sociedade, como um todo, garantisse desde cedo a essas pessoas o mínimo necessário ao seu desenvolvimento, sem perdê-las para depois ter que resgatá-las deste longo e doloroso caminho?

Acredito que investir no ser humano é a melhor solução. Ao completar 18 anos, uma criança brasileira nascida em 2021 perderá, em média, 46% do seu potencial total, mantidas as atuais condições precárias de saúde e de educação que lhe são oferecidas (estudo do Banco Mundial). Ou seja, poderá colocar em prática apenas 54% de seu potencial, em razão das condições sociais a que foi submetida.

Investir nos seres humanos é adotar o conceito que eu chamo de Inteligência Social, cuja prática revela a potência de cada um de nós como célula construtora de uma sociedade mais justa e acolhedora para todos, com foco no bem comum. Precisamos parar de destruir para depois ter que consertar. Acredito que vale muito a pena investir nos seres humanos, garantindo o acesso à saúde, à educação, à alimentação, para que possam exercer o seu pleno potencial, para que não sejam incluídos depois nas tristes estatísticas daqueles que passam fome, que moram nas ruas, que não têm acesso a condições dignas de vida. A transformação social só acontece quando colocamos os seres humanos em primeiro lugar!

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